Residência na zona norte de São Paulo é exemplo mundial em sustentabilidade
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A casa chama a atenção de longe. Localizada no alto de um morro ao lado do Mirante de Santana, zona Norte de São Paulo, a residência de um andar, pintada em tons claros de verde e ocre, tem em seu telhado um aparelho que em muito lembra um grande ventilador, sempre girando. Trata-se da EcoHHouse, casa modelo em sustentabilidade, considerada a primeira residência totalmente Zero-House do mundo.
Zero-House é um conceito estrangeiro para definir casas que são totalmente auto-sustentáveis, sem a necessidade de quaisquer ligações a serviços públicos. Também não fazem a eliminação de resíduos externos. Além da questão da autossuficiência, uma casa Zero-House não abre mão do design e do conforto, pois os considera parte essencial do conceito de sustentabilidade. Mas quem ouve falar do projeto não imagina que ele só se tornou possível graças a uma criança de cinco anos.
Tudo começou quando o pequeno João, então com cinco anos, chegou em casa e contou aos pais que estava participando de uma atividade em seu colégio: quem levasse materiais recicláveis para a escola, ganharia pontos e poderia trocar por comidas na cantina. O pequeno se entusiasmou com a ideia e contagiou os pais, que também entraram na brincadeira.
Quando o período da atividade passou, enquanto a maioria dos coleguinhas de João esquecia os conceitos que haviam aprendido sobre a importância da reciclagem, o menino alimentava ideias. Compartilhou o que pensava com o pai, dizendo o ‘quão incrível seria morar numa casa onde tudo fosse sustentável’.
O pai, o engenheiro eletrônico João Barassal Neto, de 57 anos, ficou com aquilo na cabeça por um tempo. Trabalhar com sustentabilidade já era um desejo, mas por que não transformá-lo em realidade?
Em 2010, o engenheiro começou a trabalhar no projeto da EcoHHouse. Pesquisou o que pode, falou com quem acreditava que poderia ajudar e o resultado foi um ambicioso proposta de casa que chamou a atenção de especialistas do ramo e deu a João diversos prêmios e reconhecimentos, dentre eles o Mérito Ambiental da FIESP, o Prêmio Economia Verde da Nossa Caixa Desenvolvimento e o Mérito na categoria Sustentabilidade Empresarial do jornal O Estadão PME.
Mas a genialidade do projeto também implica na dificuldade de tirá-lo do papel. João sabia das dificuldades técnicas e financeiras que teria pela frente, mas não desistiu, iria entregar ao filho, a São Paulo e ao Brasil uma casa modelo.
Apesar dos prêmios, não foi fácil firmar parceiras no início da construção da casa. João conta que investiu cerca de R$600 mil reais na transformação de sua antiga casa na EcoHHouse. Hoje a residência é avaliada em R$2,5 milhões de reais. “Eu comecei investindo sozinho, aí as empresas viram que a ideia era bacana e começaram a me procurar para oferecer seus produtos. Elas queriam participar do projeto”, conta João.
Mas a vontade de participar da EcoHHouse por si só não era suficiente para que João aceitasse os produtos das empresas. “Eu preciso tomar alguns cuidados antes de colocar produtos aqui para não correr o risco de colocar produtos que vão contra a minha proposta de sustentabilidade”. Graças ao conhecimento de décadas exercendo a engenharia, João sabe analisar um produto para descobrir se ele é realmente preocupado com o meio ambiente em todos os seus processos de fabricação, ou só usa o conceito de sustentabilidade como marketing. “Se eu vou demonstrar o produto e apresenta-lo aqui na minha EcoHHouse, é evidente que eu tenho que me responsabilizar pelo que estou falando”.
A medida que o número de interessados pelo projeto crescia, João decidiu fundar o Grupo EcoHHouse, uma espécie de sociedade de empresas que desenvolvem tecnologias sustentáveis e que usam a casa modelo como vitrine para seus produtos. Atualmente, 36 empresas fazem parte desse grupo.
As obras da EcoHHouse começaram em 2012 e ainda não terminaram completamente. O sistema de tratamento de esgoto ainda não foi instalado, o paisagismo da frente da casa está inacabado e o sistema de carregamento de baterias de carros elétricos ainda não está pronto. Mas diante da dimensão do projeto, esses são apenas detalhes.
A primeira coisa que chama atenção ao adentrar os portões brancos da casa são as duas colunas de sustentação da fachada. São feitas de tijolinhos de barro e material de demolição mas não aparentam ter nada que conecte um tijolinho no outro. A explicação está num produto desenvolvido por uma multinacional que “cola” e impermeabiliza um tijolo no outro, dispensando a necessidade do uso de rejunto e cimento.
Enquanto a atenção ainda estava voltada para as colunas de tijolos colados, o anfitrião da EcoHHouse levanta a cabeça em direção ao átrio da casa apontando para o teto e mostrando, com orgulho, o que talvez seja o coração da casa: os painéis solares e o gerador eólico. Toda a energia elétrica que a casa necessita para funcionar vem desses equipamentos. Eles operam no sistema on-grid, que significa que os equipamentos estão sintonizados com a rede elétrica e que a energia excedente ao consumo é vendida para a companhia municipal de abastecimento. Atualmente a EcoHHouse gera cerca de 470 quilowatts/mês e gasta 110. Todo o excedente é vendido.
“Hoje nosso consumo total de energia está por volta de 800watts total, o que significa que se eu acender todas as luzes da casa eu vou gastar isso. Todas as lâmpadas da casa são de led. Aliás, o led é uma coisa que veio para ficar porque tem uma eficiência muito grande”, comenta João.
Há mais um aspecto interessante do sistema gerador de energia: o gerador eólico trabalha em caráter off-lead, ou seja, a energia que produz não se mistura com a energia produzida pelos painéis solares. É uma condição estratégica. A energia gerada pelo sistema eólico é armazenada em baterias, e esse grupo de baterias alimenta áreas vitais para o funcionamento da casa, como a produção de água quente, todo o CPD (Centro de Processamento de Dados), a casa de máquinas e caso acabe a energia da rua ele repõe energia em toda a residência. Isso é possível graças a um sistema automatizado chamado reverse que, ao detectar falta de energia, entra em operação e aciona a energia armazenada nas baterias. O sistema eólico produz cerca de 4kVA (quilovoltampere) por mês, mais ou menos a mesma quantidade de energia produzida pelo sistema de painéis solares.
Enquanto fala sobre o sistema eólico, João explica que todos os dados gerados pelos equipamentos da casa alimentam uma planilha que consegue mostrar quando cada equipamento terá o chamado pay-back, ou seja, quando aquele produto ou sistema pagará o investimento feito e começará a ser vantajoso. “Às vezes a tecnologia desenvolve um produto maravilhoso, mas dependendo da sua necessidade ele pode não ser tão útil assim”, comenta referindo-se ao fato de que muitos dos equipamentos da EcoHHouse não dariam certo se fossem instalados isoladamente em residências comuns.
Saindo do átrio e atravessando uma porta de madeira avista-se o quintal dos fundos da casa. “Tudo abaixo de nossos pés aqui é um enorme reservatório de água da chuva”, explica João, “e essa água é tratada, filtrada e clorada numa pequena estação de tratamento que tenho ali ao lado da lavanderia”. A água tratada pode ser usada para consumo, já a água não tratada é usada para limpar a casa, dentre outras coisas.
A capacidade do reservatório de água da chuva é de 6500 litros. Na laje da casa há mais duas caixas d’água com capacidade para mais 1000 litros cada: uma de água tratada para reuso e outra de agua limpa para consumo. Juntos, os sistemas de armazenamento de água casa permitem uma autonomia de cerca de 10 dias.
Ainda no quintal há uma espécie de armário na parede de fora da cozinha. Ao abri-lo, o que se vê é um cano largo que desboca num enorme cesto de lixo. Foi a maneira mais prática que João encontrou de juntar o lixo orgânico produzido pela casa.
Esse é apenas um dos truques da EcoHHouse. Em cima da churrasqueira há uma serpentina que esquenta a água da pia ao lado quando a churrasqueira está ligada, o que significa que, enquanto o churrasco é assado, há água quente para lavar a louça engordurada, tornando quase desnecessário o uso de detergentes. “É uma questão de energia”, salienta o engenheiro, “você tem que saber aproveitar a energia porque ela é uma coisa que, ou você captura ou você a perde”.
A porta de entrada da EcoHHouse fica ao lado da porta que dá para o quintal . Logo ao adentrá-la, uma enorme mesa de jantar chama a atenção. Ela, assim como a maioria dos móveis da casa, foi feita a partir de materiais reciclados ou de demolição.
A cozinha, de frente para a sala de jantar, tem uma particularidade interessante: um sistema de aspirador de sujeira. É uma espécie de cano que passa por dentro da parede e tem apenas uma abertura pequena na parte de baixo da parede, perto do chão. Basta apertar o botão de ligar e varrer a sujeira para perto do buraquinho que ele a ‘suga’. Esse sistema não é exclusividade da EcoHHouse, já existe em casas de luxo mundo afora, mas “num aspirador de pó normal quando você aspira o pó ele vai parar num filtro. Parte o filtro retém, parte o filtro libera”, explica João, “e aí você acaba tirando aquilo que está sedimentado no chão e pulveriza no ar. Esse aspirador faz quase a mesma coisa, a diferença é que ele fica lá fora, então se ele for soltar poeira ele solta lá fora”, esclarece.
Luminárias chamam a atenção no teto da escada que dá para o primeiro andar “É luz do sol encanada”, comenta João. Ao notar a expressão de surpresa que a notícia provocou, trata de se explicar: “é luz do sol que vem lá de cima do telhado e que chega aqui por meio de tubos espelhados. Uma lente especial converte esses raios em linha reta. Tem em vários locais da casa e em dias ensolarados ajuda a economizar muita energia”.
No primeiro andar os quartos são elegantes e decorados com sofisticação. Os móveis seguem o mesmo padrão dos demais da casa: predominantemente em madeira de demolição. “Design e um ambiente aconchegante também fazem parte do conceito de sustentabilidade”, comenta o engenheiro. A sala de televisão do pequeno João tem vários brinquedos espalhados pelos cantos, mas o que mais chama a atenção é um mural na parede com desenhos do garoto. Desenhos de casas.
Ao lado da sala de televisão há uma pequena escada que leva até o telhado da casa onde fica a sala de máquinas que, juntas, mantém toda a tecnologia da casa funcionando. É o verdadeiro coração da casa, e funciona totalmente automatizado.
Ao finalizar o tour pela EcoHHouse, João volta à sala de jantar e senta-se na mesa de madeira de demolição. “Ah, contei que foi feita aqui na casa? Essa mesa e muitos outros moveis daqui”, comenta.
João entende a magnitude de seu projeto e sabe que, apesar de ser modelo, a tecnologia da casa não é um investimento acessível para a grande maioria das pessoas. “É uma questão de cada um fazer sua parte da maneira como pode”, comenta, “captação de água da chuva não é um sistema caro, por exemplo, e faz uma grande diferença; sem contar atos simples como separação e reciclagem do lixo”.
Ao ser questionado sobre se está satisfeito com o que fez, acena positivamente. “Eu sou um cara vanguardista. Sustentabilidade é uma coisa que está na moda agora e que daqui a 20 anos será questão crucial. A minha parte estou fazendo”, finaliza.
*Reportagem elaborada como parte de um projeto multimídia para a disciplina Convergência de Mídias, ministrada pelo professor Luiz Vicente. Universidade Anhembi Morumbi Junho/2015.